DA (IM) POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO LABOR RURÍCOLA DO MARIDO EM PROL DE SUA ESPOSA: À LUZ DA DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER 

DA (IM) POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO LABOR RURÍCOLA DO MARIDO EM PROL DE SUA ESPOSA: À LUZ DA DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER 

INTRODUÇÃO 

O estudo em tela tem como principal objetivo abordar a possibilidade ou não da extensão da condição de rural do marido à sua esposa que pretende aposentar-se por idade, utilizando documentos do cônjuge, onde a qualificação laboral deste é entendida como a de um trabalhador que desempenha suas atividades no âmbito rural e, por outro lado, muitas vezes sua esposa encontra-se com qualificação diversa/estranha a de rurícola. 

Exemplo disso são as certidões de casamento, onde a contraente, inúmeras vezes, é qualificada como doméstica e/ou do lar e, de outro turno, o contraente possui qualificação de caráter vinculativo à roça. 

A aposentadoria do trabalhador rural encontra previsão na Constituição Federal (CRFB/1988), estabelecendo critérios para a devida concessão do benefício previdenciário. O artigo 201 trata em seu parágrafo 7º, inciso II, sobre as reduções do requisito etário dos trabalhadores rurais, estendendo tal condição especial aos segurados especiais (o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal). O homem, por seu turno, deve possuir 60 (sessenta) anos de idade, enquanto a mulher 55 (cinquenta e cinco) anos. Desse modo, percebe-se uma redução de 05 (cinco) anos comparando tais benefícios com outros dessa estirpe. 

Outro requisito para o acesso à aposentadoria do trabalhador rural é a carência, fixada mediante tabela progressiva no artigo 142 da Lei 8.213/1991, estabelecendo 180 meses de carência, para o ano de 2011 em diante. Contudo, diversamente de outros benefícios, salvo aposentadoria por idade híbrida, deve haver a comprovação do efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, na forma do artigo 48, parágrafo 2º da Lei 8.213/1991, não falando necessariamente em contribuições para cômputo de carência. 

A lei de Benefícios da Previdência Social (8.213/1991) determina que somente surtirá efeitos a comprovação de serviço se for baseada em início de prova material contemporânea aos fatos, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, na forma do § 3º do artigo 55 da referida lei. 

Para o desenvolvimento jurídico desta pesquisa tomou-se por base: (i) a Lei 8.213/1991 e 8.212/1991; (ii) entendimentos jurisprudenciais calcados no Juizado Especial Federal e Vara Federal da terceira região, (iii) além do cotejo analítico com os entendimentos das cortes superiores, (iv) e utilização objetiva da doutrina específica no ramo do direito previdenciário e, por fim, artigos científicos relacionados ao tema.

1. DO SURGIMENTO DA FIGURA DO TRABALHADOR CAMPESINO (SEGURADO ESPECIAL) E SUA EVOLUÇÃO NORMATIVO-SOCIAL 

A previdência social, tendo como base o reconhecido marco histórico da Lei Eloy Chaves, existe no Brasil há 92 anos. 

No âmbito rural, os primeiros benefícios de trabalhadores rurais foram concedidos a partir da Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971. Contudo, no sistema previdenciário em sentido estrito, essa categoria de trabalhador rural foi incluída com a Lei nº 8.213/1991. 

A inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário é recente – data da legislação que implantou os Planos de Custeio e de Benefícios da Previdência Social, ou seja, 24.07.1991. Antes do referido marco temporal, havia um sistema híbrido, que continha regras de contribuição, mas era chamado de assistencial. 

A Lei Complementar 11/1971 instituiu o chamado Programa de Assistência do Trabalhador Rural: Art. 1º É instituído o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), nos termos da presente Lei Complementar. 

O ProRural é um Programa do Governo do Estado de Pernambuco, vinculado à Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SARA), a quem compete a missão de coordenar, implementar e apoiar políticas de desenvolvimento rural sustentável, tendo como foco o desenvolvimento humano na perspectiva da melhoria da qualidade de vida e geração de renda das comunidades. 

O PRORURAL era financiado pelo desconto de 2% da comercialização da produção rural, além de um percentual de 2,4% sobre a folha de pagamento das empresas urbanas. A Constituição Federal buscou corrigir distorções históricas, especialmente no que se refere aos direitos sociais. Nesse sentido, cabe frisar a base constitucional para a inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário brasileiro, exarada no art. 193 da CRFB/88, que introduz o Título VIII, in verbis

“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Compreende-se, portanto, que é o trabalho que vincula o trabalhador ao sistema previdenciário e, partindo dessa premissa, o constituinte agiu bem ao determinar a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços entre rurais e urbanos. 

A Constituição Cidadã determinou a unificação dos sistemas, inserindo-a entre os objetivos da seguridade social: 

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: 

(…)

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.”

Cuida-se de corolário do Princípio da Isonomia no sistema de seguridade social, que objetiva o tratamento isonômico entre a população urbana e rural na concessão das prestações da seguridade social (AMADO 2020)

Com efeito, não é mais viável a discriminação da população rural como ocorreu no passado, pois agora, levando em conta a normativa constitucional vigente, deverão ser tratados isonomicamente os povos rurais em relação aos urbanos. Outrora, isso não quer dizer que não possa existir tratamento diferenciado, desde que haja um fator próprio justificável diante de uma situação específica. 

O constituinte se preocupou em estabelecer regra específica de custeio para aqueles que viriam, com a posterior legislação ordinária, a ser chamados de segurados especiais. Vê-se, dessa forma, que: 

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: 

(…) 

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. 

Isso definido, esclarece que surge no seio de um período de modificações a possibilidade de todos os que trabalham na agricultura terem acesso aos benefícios e não mais somente o chefe de família, como era na vigência da Lei Complementar 11/1971. 

2. DOS SEGURADOS NO ÂMBITO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 

Vale a imersão no assunto referente aos segurados no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Os segurados da previdência estão englobados em dois grandes grupos: a) segurados obrigatórios e; b) segurados facultativos. 

Destarte, os segurados obrigatórios consistem naqueles que, em regra, exercem atividade laboral remunerada, exceto os servidores públicos efetivos e militares vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social. 

Exemplo disso, seria aquele trabalhador pessoa física que trabalha com registro em carteira, sendo, portanto, segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social. Por outro turno, o segurado facultativo é aquele que não exerce atividade laborativa e, desse modo, é opcional verter suas contribuições aos cofres públicos da Autarquia Previdenciária. 

Registra-se que o grupo dos segurados obrigatórios engloba cinco categorias de segurados que obrigatoriamente terão que filiar ao sistema: a) empregado; b) empregado doméstico; c) trabalhador avulso; d) segurado especial e contribuinte individual. 

Tecidas essas breves considerações gerais, revela-se que é pertinente adentrar especificamente nas características dos segurados campesinos, ora objeto de estudo. 

2.1. SEGURADO EMPREGADO RURAL 

A legislação previdenciária trata do segurado empregado no artigo 12, inciso I, da Lei 8.212/1991, bem como é tratado também no artigo 9º, inciso I, do Decreto n. 3.048/1999. 

A alínea “a” de ambos os dispositivos mencionados trata da figura do prestador de serviço de natureza urbana ou rural, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração. 

O professor Frederico Amado, ao tratar sobre o assunto, assim consignou: É conceito similar ao do artigo 3º, da CLT, ou seja, exige-se a remuneração, a habitualidade,  pessoalidade e a subordinação para a configuração do vínculo empregatício, inclusive o diretor empregado (AMADO, 2020)

Nessa seara, destaca-se que o empregado rural, cujo trabalho é disciplinado pela Lei nº 5.889/1973, é conceituado como sendo aquele que presta serviço em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviço de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. 

Por outra via, a Instrução Normativa nº 128, de março de 2022, determina que se enquadra como empregado rural somente aquele que exerce atividades dessa estirpe e, portanto, somente o fato de prestar serviços a empregador rural, por si só, não o qualifica como empregado rural, consoante entendimento exarado no artigo 6º, caput, in verbis: 

Art. 6º Observadas as formas de filiação, a caracterização do trabalho como urbano ou rural, para fins previdenciários, depende da natureza das atividades efetivamente exercidas pelos segurados obrigatórios e não da natureza da atividade do seu empregador. Ademais, revela-se que é encargo do empregador (empresa) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração, consoante o artigo 30, inc. I, da Lei 8.212/1991. 

Assim, verifica-se que o empregado rural, cujo trabalho é disciplinado pela Lei nº 5.889/1973, é conceituado como sendo aquele que presta serviço em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviço de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. 

Logo, é possível conceituar o empregado rural como aquele que presta serviço de natureza rural para empregador rural, sendo que o repasse dos impostos previdenciários é dever da empresa, descontados os respectivos valores da remuneração vertida ao empregado. 

2.2. SEGURADO ESPECIAL 

A figura do trabalhador rural no Brasil já advém de muito tempo e o segurado especial ganhou sua Constitucionalização com o advento da CRFB/1988, ao dispor: 

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: 

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. 

O texto constitucional trouxe, portanto, a figura do segurado especial, sendo aquele: (i) produtor, parceiro, meeiro e arrendatário e o pescador […], (ii) que exerçam suas atividades em família, (iii) sem empregados permanentes. 

A aposentadoria por idade, no caso de trabalhadores rurais, referidos na alínea “a”, do inciso I, na alínea “g”, do inciso V e nos incisos VI e VII, do Art. 11, da Lei 8.213/91, portanto, é devida ao segurado que, cumprido o número de meses exigidos no Art. 143, da Lei 8.213/91, completar 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres (Art. 48, § 1º). 

A lei de benefícios da previdência social (8.213/1991) determina que somente surtirá efeitos a comprovação de serviço se for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitindo a prova exclusivamente testemunhal, na forma do § 3º, do artigo 55, da referida lei. 

A Lei 8.213/1991 positivou a figura do segurado especial da seguinte maneira:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: 

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: 1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; 2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de , e faça dessas atividades o principal meio de vida; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. 

No tocante ao item (1), destaca-se que há grande controvérsia, haja vista que, se o segurado conseguir comprovar, por todos os meios, que de fato explorou atividade como segurado especial – em família ou individual – mas sua área ultrapassar 4 (quatro) módulos fiscais estabelecidos, não descaracteriza a qualidade de segurado especial, conforme entendimento pacificado na súmula nº 30 da TNU. Destaca-se que o entendimento judicial está em consonância com o entendimento administrativo. Contudo, é de se estabelecer que, muitas vezes, o âmbito judicial cria barreiras nas quais a administração interno-normativa não definiu, ocasionando muitas vezes nas chamadas condições “alienígenas” de descaracterização da condição de segurado especial frente ao Poder Judiciário. 

A legislação interna do INSS assim define o Segurado Especial: 

Art. 109. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros. 

Ante as conjecturas firmadas, conclui-se que o Segurado Especial é toda pessoa física que desenvolve atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar e que deve residir em local próximo àquele em que desempenha atividade rural. 

A legislação infralegal estabelece que se entende por local próximo a residência no mesmo município ou em município limítrofe em relação ao local da produção. O segurado especial pode utilizar-se de colaboração eventual (não permanente), a contratação de trabalhadores, por prazo determinado, à razão de, no máximo, 120 (cento e vinte) pessoas/dia dentro do ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, à razão de 8 (oito) horas/dia e 44 (quarenta e quatro) horas/semana, não devendo ser computado nesse prazo o período em que o trabalhador se afasta em decorrência da percepção de auxílio por incapacidade temporária, nos termos do artigo 112, inciso VIII da IN 128 de 2022. 

2.3. SEGURADO VOLANTE/BOIA-FRIA 

O segurado volante/boia-fria é configurado como aquele que presta serviço de natureza eventual e informal para diversos empregadores rurais, podendo este ser pessoa física ou jurídica, ora enquadrado como empregado rural, ora enquadrado como contribuinte individual. 

Cumpre esclarecer que o INSS vincula-se à tese de que o volante/boia-fria é contribuinte individual, em determinados casos, quando presta serviço para pessoas físicas. Enquanto que, aqueles que prestavam serviço para pessoa jurídica eram empregados rurais, porém tal afirmação é circundada de inconsistências, pois, naquele caso, seria ele próprio responsável pelos seus recolhimentos e não o tomador de serviços denominado “gato” ou “turmeiro”, a depender da região, causando assim o afastamento da presunção de recolhimento, no qual decorre o empregado rural. 

O Superior Tribunal de Justiça já equiparou o segurado boia-fria/volante como segurado especial, todavia, somente para efeitos de dispensa de recolhimento, e não no tocante à comprovação do tempo de efetivo exercício rural, este ponto é crucial para o desfecho da problemática alçada no presente trabalho. In verbis

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias.4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp n. 1.762.211/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 7/12/2018.) 

Assim, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o volante/boia-fria equipara-se a figura do segurado especial, dispensando, portanto, os recolhimentos na forma da lei, sendo necessário, contudo, comprovar o efetivo labor rurícola, com base em início de prova material contemporâneo aos fatos alegados, na forma que preceitua o artigo 55, §3º da Lei 8.213/1991. 

O texto constitucional trouxe a figura do segurado especial, sendo aquele: (i) produtor, parceiro, meeiro e arrendatário e o pescador […], (ii) que exerçam suas atividades em família, (iii) sem empregados permanentes. 

Os trabalhadores rurais boias-frias tem direito de serem tratados como segurados especiais no regime previdenciário brasileiro partir da entrada em vigor da Lei 9.063/1995, que deu nova redação ao Art. 143 da Lei 8.213/91, o trabalhador rural (conceito legalmente aberto) passou a ser definido como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). 

3. DOS REQUISITOS DA APOSENTADORIA DOS TRABALHADORES RURAIS 

A aposentadoria do trabalhador rural encontra previsão na Constituição Federal (CRFB/1988), estabelecendo critérios diferenciados para a devida concessão do benefício previdenciário. 

O artigo 201, da Constituição Federal (CRFB/1988), trata em seu parágrafo 7º, inciso II, sobre as reduções do requisito etário dos trabalhadores rurais, estendendo tal condição especial aos segurados especiais (o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal). 

A aposentadoria por idade, no caso de trabalhadores rurais, referidos na alínea “a”, do inciso I, na alínea “g”, do inciso V e nos incisos VI e VII, do Art. 11, da Lei 8.213/91, portanto, é devida ao segurado que, cumprido o número de meses exigidos no artigo 143, da Lei 8.213/91, completar 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres (Art. 48, § 1º). 

O artigo 143 da Lei 8.213/91, assim dispõe: 

Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea “a” do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. 

Com isso, depreende-se do texto legislativo colacionado a exigência dos seguintes requisitos (i) idade; (ii) comprovação do exercício da atividade rural; (iii) 180 meses de carência, que corresponde a quinze anos, conforme preceitua o artigo 142 em sua tabela de transição de carência. 

Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício: 

Acerca da incidência da tabela de transição da carência, o Professor Frederico Amado assim dispõe: A regra de transição do artigo 142, da Lei 8.13/91, é imperfeita. 

Ao se referir à inscrição, quis o legislador tratar da filiação, pois é com este instituto que a condição de segurado ocorrerá, vez que a inscrição é o mero ato de cadastro do segurado ou dependente no INSS. 

Logo, para a incidência da tabela de transição, valerá a data da filiação, pois esse dispositivo deverá ser interpretado sistematicamente, consoante todo o ordenamento jurídico previdenciário. 

Todavia, para a concessão da aposentadoria por idade, vale ressaltar que o entendimento da Previdência Social para a incidência da transcrita tabela tem sido mais favorável aos segurados, pois está sendo considerado o ano em que o segurado completou a idade mínima para o deferimento do benefício, mesmo que a carência tenha sido integralizada posteriormente (“congelamento” da carência), conforme explicita na questão 21, do Parecer CONJUR/MPS 616/2010. 

Portanto, dependendo do ano no qual o segurado completa a idade exigida (homem – 60 e mulher – 55), será o tanto que precisará comprovar a título de carência para acessar o benefício previdenciário rural. 

Exemplificando: X, homem, completou a idade de 60 anos em 01/05/1991 e comprovou ter 60 meses de exercício de atividade rural, com apresentação de prova rural. Na seara administrativa, X pleiteou seu benefício, levando até a agência do INSS seus documentos rurais que comprovem o efetivo labor rurícola pelo período de cinco anos – 60 meses de carência, ainda que descontínua… X utilizou notas de produtor rural, estavam todas em seu nome, informando como destinatário de mercadorias rurais o sítio Rocinha, endereço dos Coqueiros, situado em Avaré/SP. Após análise, o INSS concedeu o benefício de Aposentadoria por Idade do Trabalhador Rural em prol de X, posto que atendeu todos os requisitos (etário + contributivo), sendo-lhe concedido o benefício no valor de um salário mínimo vigente na época.

No exemplo dado, o segurado teria direito à aposentadoria do trabalhador rural, no valor de um salário mínimo, conforme determina o artigo 143 da Lei 8.213/91. 

A norma administrativa dispõe que, para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência é contado a partir do início do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação, com fundamento no artigo 201 da IN nº 128 de 2022. 

4. MODO DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL DO SEGURADO TRABALHADOR RURAL – LATO SENSU 

Cumpre esclarecer que, desde o advento da Lei Complementar 11/1971, a regra diferenciada de acesso dos trabalhadores rurais à Previdência já existia, não vinculando necessariamente o serviço com a contribuição. 

A Lei 8.213/1991, atendendo a Constituição Federal, reproduziu a lógica de exigir-se prova do exercício rural, ampliando essa possibilidade para os segurados especiais. Destaca-se que a Lei 8.213/1991, em seu art. 39, prevê que os segurados especiais têm direito aos benefícios, desde que comprovem atividade rural. 

A normativa mais atualizada do INSS (IN nº 128, de março de 2022) reproduz, em seu art. 201, o mesmo entendimento:

 Art. 201. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência é contado a partir do início do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação. 

Ademais, a comprovação do segurado especial deve ser realizada perante o INSS com a apresentação da autodeclaração ratificada por entidades públicas executoras do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, na forma do art. 115 da IN n. 128/2022. 

Destarte, a autodeclaração é obrigatória somente para comprovação de período referente aos segurados especiais, não exigindo-se tal documento para os demais segurados trabalhadores rurais: empregado rural, volante/bóia-fria e trabalhador avulso rural. 

Outrossim, mister mencionar que a autodeclaração será exigida para comprovação de períodos anteriores a 1º de janeiro de 2023, sendo que, posteriormente, valerá o disposto na Lei n. 13.846/2019, na qual dispõe que a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38 do mesmo diploma legal. Contudo, a aplicabilidade do novo método de comprovação está condicionada à cobertura mínima de 50% (cinquenta) dos cadastros no CNIS referentes a tais segurados especiais, o que não ocorreu até a presente data. 

Portanto, enquanto não contiver uma cobertura mínima de 50% de cadastros, a comprovação continuará sendo mediante autodeclaração, na forma dos artigos 115 e 116, ambos da IN nº 128 de março de 2022, perante o INSS. 

Complementarmente a autodeclaração, a comprovação do exercício de atividade do segurado especial será realizada com base em apresentação de documentos listados no artigo 116, da IN n. 128/2023, sendo eles, resumidamente: a) contrato de arrendamento, parceria, meação ou comodato rural, cujo período da atividade será considerado somente a partir da data do registro ou do reconhecimento de firma do documento em cartório; b) bloco de notas do produtor rural; c) notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; d) certidão de casamento civil ou religioso ou certidão de união estável, entre outros (rol exemplificativo)

O STJ, no julgamento do AgRg no REsp 1.311.495, pacificou o entendimento de que o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo. 

O referido julgado restou assim ementado: 

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONFIGURADO. 1. In casu, o Tribunal de origem, confirmando a sentença, julgou procedente o pedido da autora sob o entendimento de que a prova documental juntada aos autos dá conta do exercício da atividade rural em período equivalente à necessária carência para fins de concessão do benefício do auxílio-doença. 2. O rol de documentos ínsito no art. 106 da Lei 8213/91 para a comprovação do exercício da atividade rural é meramente exemplificativo, sendo admissíveis outros além dos previstos no mencionado dispositivo. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.311.495/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/6/2012, DJe de 15/6/2012.) 

A Lei 8.213/1991, em seu artigo 106, corrobora o entendimento administrativo, estabelecendo que a comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração, com a apresentação de documentos consistindo, basicamente, nos mesmos documentos listados pela norma administrativa do INSS. 

O poder judiciário não exige, formalmente, a apresentação da autodeclaração, sendo exigido, contudo, início de prova material contemporâneo aos fatos alegados, corroborada por robusta e coesa prova testemunhal, sendo vedada prova exclusivamente testemunhal, na forma da súmula n. 149/STJ. In verbis: 

Súmula n. 149/STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

 A Lei 8.213/1991, no art. 55, § 3º, exige início de prova material para contabilização do tempo de serviço e que a referida prova deve ser contemporânea ao labor prestado. In verbis

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: 

(…)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

Exemplificando: o segurado – João – alega labor de 1985 a 1990, na roça, sítio Helena, de sua propriedade, portanto, seria imprescindível, se desejasse ver tal período reconhecido, apresentar início de prova material (documento), contemporâneo ao interregno visado (1985 a 1990), com algum indício de que na época exercia alguma atividade voltada às lides campesinas. Exemplo: certidão de casamento, datada de 1986, onde a qualificação profissional de João está atestada como sendo a de Lavrador. Assim, denota que, em 1986 quando contraiu matrimônio, declarou exercer a função de Lavrador, constituindo início de prova material de seu tempo rural de 1985 a 1990, pois o documento de 1986 é contemporâneo ao período alegado de trabalho campesino

Sendo assim, para a efetiva comprovação perante o INSS (administrativamente), na prática, para ver reconhecido o período rural, deverá ser apresentado autodeclaração (preenchida corretamente), podendo esta ser ratificada ou não – automaticamente, na forma do art. 115, § 4º da IN n.128 -. Caso não for ratificada automaticamente, o INSS realizará pesquisas nos bancos governamentais do governo, na forma do art. 115, § 5º, para ratificar as informações constantes na autodeclaração. 

O último procedimento do analista é verificar o conjunto probatório apresentado, podendo ratificar o período integralmente ou parcialmente, a depender da contemporaneidade dos documentos. 

E, por fim, revela-se que a justiça é um pouco mais flexível, tendo em vista que não exige a autodeclaração em via de regra, como o INSS exige no âmbito administrativo. 

5. PROVA DIRETA E INDIRETA 

No âmbito previdenciário admite-se qualquer prova para comprovação dos fatos que pretende-se provar, exceto provas ilícitas. 

Contudo, na seara da comprovação do tempo rural, tal regra constitucional, contida no art. 5º, do inciso LVI, da CRFB/88, não aplica-se, pois exige-se início de prova material corroborada por prova testemunhal. 

Quanto ao ponto de uma possível ‘inconstitucionalidade’ da exigência de início de prova material para comprovar tempo rurícola, tendo em vista que a prova testemunhal não é ilícita e, portanto, totalmente capaz e idônea para a devida convicção do julgador, a depender do caso concreto. 

Ainda, o legislador ordinário não poderia, em tese, estabelecer tais limites, tendo em vista que a Constituição assim não estabeleceu. Nessa linha de pensamento, a prova testemunhal, ainda que robusta e idônea, jamais poderá ser tida como prova direta (salvo exceções contidas na lei) ao contrário, sempre indireta, já que precisa ser analisada em liame um início de prova material existente.

 Porém, a análise constitucional da questão levantada não é objeto de pesquisa final deste estudo e, portanto, encerrada no momento. 

É importante destacar a existência da prova direta e indireta no âmbito previdenciário. 

Assim, pode-se dizer que é direta aquela prova que revela por si só toda a verdade de um determinado fato. Quaisquer que sejam as dificuldades que o juiz possa ter para julgar, ela é coerente com os fatos e revela toda a verdade. Tome-se como exemplo a carteira de trabalho do trabalhador rural, constando vínculo de emprego que não está no Cadastro Social – CNIS. Portanto, quando do pedido de aposentadoria, a carteira de trabalho do trabalhador, sem rasuras e em ordem cronológica, possui presunção relativa (juris tantum) de veracidade, devendo tal vínculo de emprego ser averbado/incluído para cômputo no período base de cálculo (PBC). 

Nesse sentido, a súmula n. 75/TNU: A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). 

Em contrapartida, a prova indireta necessita ser analisada em conjunto com outras provas, para se chegar a uma conclusão que às vezes sequer se aproxima da verdade. 

Vale destacar que as provas indiretas é a que mais aparece nos processos em geral, o que dificulta o trabalho do julgador, isto porque, o mesmo deverá apreciá-las com mais cautela corroborando sempre com as demais provas para aproximar-se da verdade dos fatos (valoração). 

5.1. INÍCIO DE PROVA MATERIAL 

A norma é clara ao dispor que a comprovação de serviço/tempo só produzirá efeitos quando baseada em início de prova material. 

O início de prova material é um tipo de evidência que sugere a existência de fatos próximos àqueles que se deseja comprovar. 

Ele é empregado para estabelecer a veracidade de diversos eventos ligados a benefícios previdenciários, como a necessidade de comprovação de fatos ou circunstâncias relacionadas ao segurado e/ou dependente previdenciário. 

Segundo o autor Fábio Zambitte Ibrhaim (2009, p. 538): “O tema ainda é aberto a alguma divergência, pois se trata de conceito indeterminado, demandando, por si só, uma valoração do aplicador. É típico conceito a ser construído pelos Tribunais, que têm diversas manifestações sobre o tema.” 

Wladimir Novaes Martinez (2002, p.11), por sua vez, argumenta que: “A expressão ‘inicio razoável de prova material’ desdobra-se, pelo menos, em três partes: a) ser incipiente, dispensada a prova exaustiva; b) ser razoável, isto é, ser acolhida pelo senso comum; e c) ser material, não se aceitando a apenas testemunhal.” 

A lei não especifica a natureza desse início de prova, sua potencialidade ou eficácia. Abre, por conseguinte, campo a muitas perspectivas. Não fala em quantidade ou qualidade dos documentos. Um, se eficiente, é suficiente; vários, mesmo frágeis, na mesma direção, são convincentes. 

Portanto, pode-se concluir que como a lei não define com precisão o que é o início da prova material, a doutrina e a jurisprudência se entrelaçam para realizar tal tarefa e entendem que tal prova se caracteriza por possuir suporte material físico. 

6. DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIRO: EXTENSÃO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL ENTRE O GRUPO FAMILIAR 

O conceito de segurado especial foi esculpindo-se mediante diversas normas regulamentadoras. 

Atualmente, o segurado especial, em síntese, é aquela pessoa física (produtor rural, pescador/assemelhado, seringueiro/extrativista animal ou vegetal), que desenvolve atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar. 

A celeuma desabrochada neste ponto em específico encontra-se, até o momento, pacificada, inclusive nas instâncias superiores. Colaciona-se, nesse ponto, o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que as atividades desenvolvidas em regime de economia familiar podem ser comprovadas através de documento em nome do pai de família, que conta com colaboração efetiva da esposa e filhos no trabalho rural (REsp nº 386538/RS). 

A jurisprudência, aos poucos, vem flexibilizando ainda mais seu entendimento nesse sentido, às vezes favoravelmente à segurada volante e empregada rural. Contudo, nem sempre tais entendimentos sensatos são proferidos em juízo. Nesse sentido, veremos os entendimentos contrários à tese fixada. 

Além disso, no tocante à admissibilidade de comprovação da condição de rural por meio de certidão de casamento, onde consta a profissão de trabalhador rural do marido da beneficiária, em face do regime de economia familiar, o também STJ já tratou acerca da possibilidade. 

Nesse sentido, os Embargos de Divergência nº 104312/SP, e outros inúmeros acórdãos (RESP 317277/RS; RESP 386.538/RS; RESP 354.596/SP, etc), contendo o mesmo entendimento favorável à referida extensão da condição rural em prol de um dos membros do grupo familiar. 

A Turma Nacional de Uniformização (TNU), contém o mesmo entendimento referente à possibilidade de extensão da condição rural ao membro do grupo familiar. A TNU é incumbida de julgar pedidos de uniformização. 

O pedido de uniformização nacional, direcionado à TNU, tem previsão no art. 14, § 2º, da Lei 10.259/01, e seu cabimento pressupõe a demonstração de que o acórdão recorrido diverge, quanto à interpretação da lei federal, de decisão de turma recursal de diferente região (acórdão paradigma), ou é contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STJ ou da TNU. 

No tema 18 da TNU foi submetida a seguinte questão controversa: “saber se os documentos em nome de terceiros integrantes do grupo familiar, relativos à propriedade da terra trabalhada, servem como início de prova material da atividade rural”

A tese firmada no tema fora favorável e dispôs que: “a certidão do INCRA ou outro documento que comprove propriedade de imóvel em nome de integrantes do grupo familiar do segurado é razoável início de prova material da condição de segurado especial para fins de aposentadoria rural por idade, inclusive dos períodos trabalhados a partir dos 12 anos de idade, antes da publicação da Lei n. 8.213/91”

O referido tema teve seu acórdão publicado em 28/10/2011 e transitado em julgado em 18/11/2011, julgado no PEDILEF nº 2009.71.95.000509-1/RS). 

Outrossim, a Turma Regional de Uniformização, incumbida de uniformizar jurisprudências de turma recursal da mesma região, em consonância com o exposto, editou a súmula nº 9. 

A jurisprudência, aos poucos, vem flexibilizando ainda mais seu entendimento nesse sentido, às vezes favoravelmente à segurada volante e empregada rural. Contudo, nem sempre tais entendimentos sensatos são proferidos em juízo. Nesse sentido, veremos os entendimentos contrários à tese fixada. 

Ainda mais, revela-se o entendimento administrativo acerca do ponto em debate. 

A IN nº 128, de março de 2022, trouxe, expressamente, a possibilidade de extensão. 

O artigo 116, § 3º, inciso I, esclarece que todo e qualquer instrumento ratificador (documento/início de prova) vale para qualquer membro do grupo familiar, devendo o titular do documento possuir condição de segurado especial no período pretendido, caso contrário a pessoa interessada deverá apresentar documento em nome próprio. 

Exemplificando: João e sua esposa trabalham em sua própria terra e produzem para a própria subsistência, enquadrando-os, portanto como segurados especiais, em regime de economia familiar. O marido (João) emite notas de produtor rural todos os anos. A esposa, quando for requerer sua aposentadoria, poderá beneficiar-se de tais notas para comprovação de sua atividade como segurada especial, em regime de economia familiar.

Mesmo que tais documentos estejam somente constando o nome do marido como produtor rural, pois, a realidade demonstra que, nas pequenas propriedades rurais, onde a terra é explorada com o auxílio de todos os membros da família, quaisquer documentos (notas fiscais de produtor, certidões, e outros) sempre se encontram-se em nome de quem aparece frente aos negócios da família, em geral o pai/marido. 

7. DAS INJUSTIÇAS: DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS 

Para a comprovação da atividade rural da segurada especial, é amplamente possível apegar-se ao início de prova material (conjunto de provas em nome do cônjuge) e usá-lo para o reconhecimento de seu tempo rural laborado arduamente. 

Assim, a qualificação rural contida no documento em nome do cônjuge poderá ser estendida em prol da mulher. Porém, nem sempre a jurisprudência decide dessa forma, a depender do tipo de segurado constante em cada caso concreto. 

A diferença estabelecida pela jurisprudência toca no âmago das empregadas rurais sem registro. Estas, não possuindo registro em sua Carteira de Trabalho e não podendo aposentar-se, muitas vezes se socorrem dos documentos em nome do marido, que laborava em conjunto com a mesma e, em muitas vezes, nas mesmas fazendas. 

A jurisprudência vem consolidando-se no sentido de vedar a extensão nessas hipóteses, como exemplo, julgado de 07/03/2018. In verbis: 

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL EM NOME PRÓPRIO. INEXISTÊNCIA. EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO DO MARIDO. INVIABILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. BENEFÍCIO INDEFERIDO. RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO. 1 – A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91. 2 – Deve a autora comprovar o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário (2014) por, pelo menos, 180 (cento e oitenta) meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91. 3 – Como se vê dos elementos de prova carreados autos, a autora traz documentos em que apenas seu marido é qualificado como lavrador. Nesse particular, a extensão de efeitos em decorrência de documento de terceiro – familiar próximo – parece viável apenas quando se trata de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar – o que não é o caso dos autos, haja vista que o único depoente que relatou labor rural da autora, informou que ela chegou a trabalhar na condição de empregada rural, sem registro. Ademais, duas outras testemunhas ouvidas relataram que a autora “cuidava da casa dela para o marido ir trabalhar”, que era “dona de casa mesmo” e, em relação ao trabalho rural, “de vez em quando ela ia um pouquinho”. 4 – O conjunto probatório carreado aos autos é insuficiente para demonstrar o labor rural da autora pelo período de carência exigido em lei. 5 – Apelação da autora desprovida. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL 198 -, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 26/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/03/2018 ) 

Frisa-se, que as contribuições previdenciárias dos empregados rurais ficam a encargo do empregador, nos termos do art. 30, inciso I da Lei 8.212/1991, (in verbis)

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

 I – a empresa é obrigada a: a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração.

Acresça-se que a Lei nº 11.718, de 20.06.08, acrescentou o Art. 14-A à Lei nº 5.889/73, permitindo a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, sem registro em CTPS, mediante a sua inclusão, pelo empregador, na GFIP. 

Entretanto, importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais diaristas, denominados de volantes ou bóia-fria, são de responsabilidade do empregador, cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização. 

Retomando ao objeto jurisprudencial, destarte que, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é mais flexível ao valorar a prova do trabalhador campesino denominado volante/bóia-fria. 

De modo que entende-se que o documento em nome do marido é considerado apto a constituir início da prova material do labor da esposa. 

O julgamento do AgRg no AREsp 47.907/MG, assim ementado: 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PROVA DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 1. Esta Corte Superior tem entendimento pacífico de que documentos como certidões de casamento do segurado, de óbito de seu cônjuge, de nascimento de seus filhos, dentre outros, são considerados aptos para o início da prova material do trabalho rural, desde que corroborados por idônea prova testemunhal, o que ocorreu no caso dos autos. A revisão deste entendimento em sede de recurso especial requer a reapreciação do contexto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. Nesse sentido: AgRg no AREsp 98754/GO, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 02/08/2012; AgRg no AREsp 191490/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/08/2012; AgRg no Ag 1410311/GO, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 22/03/2012; AgRg no AREsp 47.907/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 28/03/2012. 

É importante destacar o julgamento da ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL / MS 5003998-07.2021.4.03.9999, que fora favorável à autora, que era segurada volante bóia-fria, vejamos: Na esteira da sólida jurisprudência desta Corte, a qualificação profissional de lavrador ou agricultor, constante dos assentamentos de registro civil, constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, podendo, inclusive, produzir efeitos para período de tempo anterior e posterior nele retratado, desde que a prova testemunhal amplie a eficácia probatória referente ao período de carência legalmente exigido à concessão do benefício postulado. 

Impõe-se verificar, se demonstrado, ou não, o trabalho rural de modo a preencher a carência exigida de 180 meses. Para comprovar o alegado exercício de atividade rural a autora instruiu a petição inicial com as cópias dos seguintes documentos: declaração de união estável com firma reconhecida em 11/12/2019, em que consta que a autora e Alziro de Oliveira Lima, qualificado como trabalhador rural, convivem de forma marital há 37 anos; e certidão de nascimento dos filhos havidos com Alziro de Oliveira Lima, nascidos em 1983 e 1985, nas quais o genitor está qualificado com a profissão de lavrador. 

De sua vez, a prova oral, como posto pelo douto Juízo sentenciante, corrobora a prova material apresentada. 

A prova testemunhal ampliou a eficácia probatória referente ao período exigido à concessão do benefício postulado […] Assim, como se vê dos autos, o conjunto probatório está apto a demonstrar que a autora efetivamente exerceu atividade rural no período correspondente à carência exigida. 

A jurisprudência, aos poucos, vem flexibilizando ainda mais seu entendimento nesse sentido, às vezes favoravelmente à segurada volante e empregada rural. Contudo, nem sempre tais entendimentos sensatos são proferidos em juízo. 

Nesse sentido, veremos os entendimentos contrários à tese fixada. Cabe a menção de que no âmbito do Juizado Especial Federal as decisões são bem restritivas. Ao Juizado Especial Federal – JEF, compete processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. 

As ações ajuizadas no Juizado Especial Federal – JEF -, devem seguir os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

 Fixadas as premissas necessárias acerca do JEF, veremos seu entendimento “interna corporis”

Nota-se trecho do julgado (RecInoCiv – RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP 0000567-02.2021.4.03.6329): Para esse período há prova testemunhal do trabalho rural da parte autora, conforme depoimento das testemunhas que conhece a autora desde criança, reportando que a autora trabalhou na área rural, com lavoura de milho, feijão e com criação de galinha e gado, inicialmente com os pais e após o casamento nas terras do sogro. As testemunhas reportaram que o sítio é pequeno, cerca de menos de 01 alqueire, não sendo suficiente para a sobrevivência da família, razão pela qual a autora prestava serviços para terceiros, como bóia-fria/volante. Como já referido acima, não há qualquer documento a vincular a autora ao labor rural. Pequena propriedade rural não é suficiente para caracterizar o labor rural em regime de economia familiar, de modo que os documentos em nome do esposo ou do sogro não se aproveitam em favor da parte autora. 

O entendimento do Juizado nesse sentido limita-se à extensão da condição do marido somente ao labor em regime de economia familiar, ou seja, o segurado especial. Contudo, muitas vezes o labor era qualificado como boia-fria/volante, laborando em conjunto em diversas fazendas, como fora o caso do julgado acima. 

Denota-se o trecho a seguir pinçado: “Para esse período há prova testemunhal do trabalho rural da parte autora”, ou seja, o indício de prova material exigido continha (documentos em nome de terceiros – marido) em conjunto com a prova testemunhal, a condição rural está comprovada, e o benefício deveria ser concedido.” 

Aqui está o ponto da INJUSTIÇA! Em preceitos constitucionais, é mister destacar que, tamanha injustiça foge totalmente da vontade do Poder Constituinte Originário em criar a Constituição Cidadã, que finda seus ditames observando rigorosamente os direitos fundamentais, sociais, coletivos e a igualdade/uniformização dos povos urbanos e rurais, haja vista que estes últimos eram limitados quanto ao recebimento de seus benefícios, sendo que somente o chefe da família o recebia. 

No âmbito do Juizado Especial Federal – JEF -, há alguns recursos utilizados para uniformizar tese de direito, o desiderato Pedido de Uniformização Nacional. 

Para manejar o referido recurso, de esfera nacional e não regional, é necessário demonstrar divergência jurisprudencial entre dois Juizados Especiais Federais de diferentes regiões, ou seja, uma decisão possibilitando, no Estado de São Paulo, e outra negando o documento no Amazonas. 

Os denominados bóia-frias possuem uma dificuldade probatória imensa e, em alguns casos, admite-se a prova exclusivamente testemunhal, se esta fôr idônea e robusta, conforme sedimentado pelo STJ no Resp nº 1321493, contendo a seguinte ementa (in verbis)

.EMEN: RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. ..EMEN: (RESP – RECURSO ESPECIAL – 1321493 2012.00.89100-7, HERMAN BENJAMIN, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:19/12/2012 ..DTPB:.) 

Ocorre que, em muitos casos, a prova testemunhal é totalmente coesa e robusta, contudo, os documentos apresentados, segundo o julgador, não são aptos a configurar início de prova material, vindo a negar a concessão do benefício ou não reconhecer o tempo rural. Contudo, no caso acima colacionado, o início de prova material foi quase nulo e a prova testemunhal coesa e robusta, sendo de rigor o reconhecimento do labor, conforme julgado acima posto em discussão. 

Logo, percebe-se uma grande divergência jurisprudencial entre as cortes superiores e, mais especificamente, o Juizado Especial Federal – JEF -, tendo em vista que, aparentemente, já há algumas decisões na Vara Federal (Tribunal Regional Federal) favoráveis à extensão da condição rural do marido em prol da esposa, volante ou empregada sem registro. 

Com isso, verifica-se que, em algumas hipóteses, a extensão da condição rural do marido para fins de aposentadoria da esposa é permitida, sem divergência, tratando-se dos denominados segurados especiais (produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal).

A invisibilidade da trabalhadora rural e o feminismo jurídico é bem relatado na produção bibliográfica publicada na Revista Brasileira de Direito Social – RBDS: A dificuldade de comprovação da condição da trabalhadora rural repercute no seu ainda baixo acesso ao direito à previdência social e o conceito de violência de gênero permite constatar a histórica exclusão das mulheres rurais de garantias cidadãs e trabalhistas, perpassada pelas mobilizações em busca pelo reconhecimento de direitos. 

O caso das mulheres rurais na luta por direitos previdenciários evidencia a existência de um feminismo jurídico no Brasil de vertente popular, ligado às mobilizações feministas e populares das mulheres rurais.

O acesso efetivo à previdência rural é uma questão atual na discussão do feminismo jurídico e, nesta seara, propõe-se que o sistema jurídico reconheça as desigualdades e violências de gênero perpetuadas no caso das mulheres rurais e que se edite uma súmula judicial a fim de facilitar o seu reconhecimento enquanto trabalhadora, em especial para fins previdenciários (THAIS GISELLE DINIZ SANTOS, KATYA ISAGUIRRE, ANA LETÍCIA MACIEL DE VASCONCELOS, 2023).

Por outro lado, a trabalhadora rural volante/bóia-fria muitas vezes não possui documentos em nome próprio, pois sempre, ou quase sempre, viveu a favor de seu marido. Nesse ponto em especial, a própria legislação vigente à época garantia ao marido o “pátrio poder” familiar (Código Civil de 1916). A Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, vigorou até 10.01.2003, atendendo ao período de vacatio legis de 1 (um) ano estabelecido. 

A partir de então começou a vigorar a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na qual tratou diferentemente, dispondo que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1.511). 

Nesse sentido, Revista Brasileira de Direito Social – RBDS (Somos mulheres trabalhadoras rurais: da invisibilização ao reconhecimento de direitos previdenciários e da cidadania) Thais Giselle Diniz Santos, Katya Isaguirre, Ana Letícia Maciel de Vasconcelos (2023): A estrutura patriarcal e heteronormativa está nas raízes da sociedade brasileira. A família é a base desta sociedade e é caracterizada, historicamente, pela divisão sexual, a partir da qual ao homem seria destinado o papel de trabalhador produtivo, chefe e responsável pelo sustento do lar, já à mulher seria destinado o papel de cuidadora da casa e da família, um caminho que já foi tido até como natural, enquanto dever decorrente do casamento e da maternidade. Mediante esta estrutura social, à mulher é destinado o trabalho doméstico não pago ou atividade remunerada que ainda que seja tida como trabalho produtivo com frequência acessa menor remuneração, funções muito atreladas às atividades de cuidado, objeto de grande desvalorização, além de enfrentar dificuldade de ascensão profissional. 

As mudanças nesse quadro são expressas no âmbito legislativo. A Constituição Federal de 1988 prevê a igualdade entre homens e mulheres e expressa uma série de esforços para realizar a igualdade de gênero na família, no trabalho e na sociedade em geral (DO BRASIL, 1988, art. 5º, caput e inciso I). Somente com o Código Civil de 2002, são legal e definitivamente excluídos os ditames do “pátrio poder” e reconhecida a diversidade de formas de organização doméstico-familiar (DO BRASIL, 2002, Livro IV). 

Logo, é notório que tal modificação de pensamento é recente do ponto de vista jurídico e a grande maioria das seguradas que hoje pretendem aposentar-se viveram sob os efeitos da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que vigorou de 01.01.1917 a 10.01.2003. 

Assim, tais seguradas trabalhadoras rurais (volantes/empregadas) vêm sofrendo inúmeras barreiras/limitações, hoje em dia, ao tentarem comprovar seu labor árduo na roça para acesso ao benefício de aposentadoria rural da Previdência Social, onde diversas vezes o conjunto probatório documental do caso concreto encontra-se todo em nome de seu marido, mas, mesmo assim, não pode utilizar para sua própria aposentação, sendo descartados negligentemente/imprudentemente. 

8. CONCLUSÃO 

Ante o exposto, conclui-se que, no âmbito administrativo, o INSS não visualiza os documentos aqui elencados neste trabalho (início de prova material) como início de prova material, desprezando o conjunto probatório e o requerimento administrativo esclarecedor e que visa a verdade dos fatos, pois ali que o servidor poderá ficar a par da situação/fato que o caso apresenta. 

Ocorre muito esse desdém quando trata-se das famigeradas trabalhadoras volantes/bóias-frias, onde a Autarquia diversas vezes exige autodeclaração do trabalhador rural – segurado especial que, conforme demonstrado no tópico 2º deste estudo, tratam-se de segurados com características diversas, entretanto, todas de caráter ruralista. 

A situação de desprezo do início de prova material não é matéria de fundo do trabalho em derradeiro, porém, apenas a mercê do questionamento, tal desprezo realizado pelo conjunto probatório poderia causar dano moral previdenciário. 

Como demonstrado no tópico 6 deste trabalho, o INSS é pacífico quanto à extensão no tocante ao grupo familiar do segurado especial, salvo se a pessoa no qual o documento está vinculado perder tal condição em sua contemporaneidade, situação em que a própria segurada teria que apresentar documento em nome próprio. 

De outro modo, no âmbito judicial, a discussão referente à possibilidade extensão da condição rurícola do marido em prol da esposa é muito divergente e apresenta diversas incongruências jurisprudenciais de conceitos pseudo-sociais. 

O entendimento do Juizado nesse sentido limita-se à extensão da condição do marido somente ao labor em regime de economia familiar, ou seja, o segurado especial. Entretanto, muitas vezes o labor era qualificado como boia-fria/volante, laborando em conjunto em diversas fazendas. Contudo, há alguns entendimentos favoráveis referente a possibilidade de extensão da condição rurícola do marido em prol da esposa (volante/bóia-fria), geralmente tais entendimentos são proferidos fora do âmbito do JEF, pois este juizado fixa sua doutrina majoritária (unânime) na vedação quanto tratar-se de (volante/bóia-fria). 

Para a solução do problema apresentado, no âmbito do Juizado Especial, exige-se uma uniformização de entendimento, mediante procedimentos recursais próprios, tais como o Pedido Nacional de Uniformização perante a Turma Nacional de Uniformização, sendo necessário, para tanto, localizar entendimento de Turma Recursal de diferentes regiões com similitude fática e decisum divergente, sendo necessário o famigerado cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma. 

A jurisprudência, aos poucos, vem flexibilizando ainda mais seu entendimento nesse sentido, às vezes favoravelmente à segurada volante e empregada rural. Todavia, nem sempre tais entendimentos sensatos são proferidos em juízo. 

Verificou-se neste estudo o conceito de segurado especial perante a legislação previdenciária, bem como, alguns princípios norteadores do direito previdenciário. Além do conceito de segurado especial, o presente estudo também abordou os requisitos da aposentadoria do trabalhador rural. 

Ficaram demonstrados os critérios criados pelo judiciário quanto à (im)possibilidade de extensão da condição rural do marido em prol da mulher, a depender do tipo de segurado que o caso concreto apresenta. 

Portanto, o estudo teve por objetivo demonstrar as incongruências dos entendimentos jurisprudenciais com a lei previdenciária, bem como as injustiças sofridas por aquelas trabalhadoras rurais denominadas empregadas e diaristas, quando pretendem reconhecer tempo rural informal com intuito de se apoiar na condição rural de seu marido, lançada em documento público. 

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. 1839 p. BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Segurado Especial: novas tese e discussões. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2020. 315 p. 

BRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 14. ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2009. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal nº 05/10/1988, de 05 de outubro de 1988 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 06 nov. 2023. BRASIL. Instrução Normativa nº 128/2023, de 28 de março de 2023. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-pres/inss-n-128-de-28-de-marco-de2022-389275446. Acesso em: 06 nov. 2023. 

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MARTINEZ, Wladimir Novaes. Prova de tempo de serviço: previdência social. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2002. REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO SOCIAL – RBDS. Belo Horizonte: Ieprev, v. 5, n. 1, 04 jul. 2023. Disponível em: file:///C:/Users/gusta/OneDrive/%C3%81rea%20de%20Trabalho/CITA%C3%87%C3%83O %20ARTIGO%20FEMINISMO.pdf. 

Elaborado por:

Dr. Gustavo Bragagnolo

OAB/SP 515.438

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