1. LEI DO DEPOIMENTO SEM DANO
A Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento sem Dano) estabelece o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, conforme descreve em seu artigo 1º, trazendo várias prerrogativas processuais em favor dos menores de 18 anos que tenham sofrido ou testemunhado atos de violência física ou psicológica, exploração sexual, dentre outros.
A norma regulamenta a Escuta Especializada e o Depoimento Especializado, feito por profissionais, psicólogos, ou assistente social, nos casos de crimes de violência que envolvam vítimas crianças ou adolescentes.
Esses dois instrumentos se encontram presentes no Título III do dispositivo, sobre a escuta especializada, a Lei traz que, é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade (art. 7º da Lei 13.413/2017
Assegura também a confidencialidade das informações prestadas, a proteção contra qualquer tipo de discriminação, a possibilidade de serem ouvidos em horário que lhes forem mais adequados e convenientes, bem como de terem a intimidade e as condições pessoais protegidas, a garantia de recebimento de assistência jurídica qualificada, dentre outros, conforme artigo 5º e incisos. (BRASIL, 2017)
Logo, destaca-se que a Lei estabelece tais diretrizes para que assim possa evitar a revitimização, termo esse utilizado para designar o sofrimento repetitivo do ofendido de um ato violento, o que pode ser ocasionado no momento da colheita dos depoimentos, bem como pelo tratamento inadequado por ocasião da inquirição.
2. FINALIDADE DO DEPOIMENTO SEM DANO
É possível compreender que o depoimento sem dano, surgiu com a finalidade de minimizar os danos causados às crianças vítimas ou testemunhas de violência, dando maior cuidado aos crimes de ordem sexual, visto que, em análise as suas vulnerabilidades, podem muitas das vezes, se sentirem constrangidos e culpados pelo fato, o que demonstra que seus depoimentos devem ser realizados de forma adequada, ou seja, por um profissional treinado para tal.
Sabe-se que, no processo penal, a inquirição é um meio de prova, ao passo que o depoimento da vítima é de suma importância para convicção do julgador, outrossim, nos crimes cometidos às escondidas, como no caso de violência doméstica, ameaça, abuso sexual, dentre outros, a palavra da vítima ganha especial valor probatório.
Neste contexto, seguindo o fluxo normal do procedimento, as crianças e os adolescentes são colocados a prestarem seus depoimentos, para que ocorra a resolução do caso e alcance da verdade processual, o que ocorre em todos os processos, dado que as suas declarações (meio de prova) podem ser determinantes para o fim do processo.
No entanto, as vítimas já vivenciaram um primeiro sofrimento/trauma, ou seja, uma primeira consequência negativa que abalou o seu psicológico, resultado do crime que sofreram, assim, não se deve tolerar que estas vítimas, que já passaram por um processo de vitimização primária, ao serem submetidas a inquirição sejam conduzidos novamente a um sofrimento.
Percebe-se que, ao serem inquiridos por meio do método tradicional, estes vulneráveis são submetidos a um ambiente angustiante, sendo postos a perguntas constantes sobre os fatos, podendo tais perguntas serem feitas por pessoas insensíveis, preocupadas exclusivamente nas informações de interesse processual ou então na busca de fazer a vítima se contradizer para benefício do acusado.
Assim, verifica-se que tais sujeitos ao menos ponderarem que do outro lado existe uma criança ou um adolescente que já sofreu com o crime, ou seja, uma vítima vulnerável não preparada para expor com tantos detalhes e ter que relembrar os fatos, tendo que responder a desconhecidos sobre a violência que vivenciaram e que por si só já lhes causam grande dor, e aqui se dá maior destaque à violência sexual, pois o dano é ainda maior, de modo que a proteção deve ser também maior.
3. ESCUTA ESPECIALIZADA
Vale ressaltar que são dois os tipos de procedimentos, sendo a escuta especializada ou protegida e o depoimento especial, os quais serão demonstrados a seguir, no entanto, em suma, o primeiro ocorre nos serviços de saúde e assistência social em que a criança ou adolescente é atendida para que se evite o processo de revitimização, o segundo ocorre quando a criança ou adolescente depõe sobre os fatos que ocorreram, em um local acolhedor com profissional especializado para fazer as perguntas.
Na fase da escuta especializada, ocorre quando a escuta é realizada perante os órgãos da rede de proteção, em exemplo o Conselho Tutelar, Saúde e Assistência Social (art. 7º, Lei 13.431/2017), voltada para o levantamento de informações. (CHILDHOOD BRASIL, 2017)
A finalidade da escuta é a elaboração de um estudo social ou de um laudo, através de psicólogos, assistentes sociais ou psiquiatras, sendo que o resultado dessa escuta deve compor a peça técnica que será apresentada ao juízo. (NUCCI, 2018)
No que tange o profissional responsável que ficará incumbido de realizar a escuta de criança e adolescente vítima de violência, este deve conduzir a inquirição demonstrando empatia, criando atmosfera emocional agradável, para que a criança ou o adolescente possam falar sobre os fatos que lhes ocorreram, tendo como base a confiança, uma vez que são esses os fins a que se destina a Lei.
Frisa-se ainda, que no momento da realização da escuta especializada, o entrevistador deve se limitar às perguntas que forem necessárias para o cumprimento de sua finalidade, ou seja, limitando-se apenas às perguntas que de fatos serão importantes ao processo, lembrando sempre de não causar na vítima constrangimento.
4. DEPOIMENTO ESPECIAL
Na fase de depoimento especial, a oitiva é realizada perante a autoridade policial ou judiciária, como por exemplo pela Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública e Juizados da Infância ou Criminais. (CHILDHOOD BRASIL, 2017)
O depoimento especial, sempre que possível, deve ser realizado uma única vez em sede de produção antecipada de prova judicial (art. 156, I, do CPP), garantindo a ampla defesa do investigado, e seguirá o rito cautelar de antecipação de prova quando: a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos e em caso de violência sexual, conforme versa o art. 11, §1º da Lei. (BRASIL, 2017)
No que se refere o rito cautelar de antecipação de provas, acima mencionado, tal rito não se encontra previsto no CPP, de modo que a falta é suprida na busca do Código de Processo Civil, que prevê, em seu art. 382, o referido rito. (NUCCI, 2018)
Em regra, não é admitido novo depoimento especial, mas há exceção, será admitido, portanto, nos casos em que justificada a imprescindibilidade do depoimento especial pela autoridade competente e quando houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou ainda de seu representante legal.
Verifica-se, portanto, que os profissionais responsáveis pela realização do depoimento especial esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, lhes informando os seus devidos direitos.
Frisa-se que, da realização do depoimento, é vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais.
A criança ou o adolescente ficam livres para relatarem sobre a situação de violência, falando livremente sobre o que sabem, podendo o profissional responsável, intervir quando necessário, utilizando-se de técnicas que permitam a elucidação dos fatos, o mesmo também poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente.
No curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, uma vez que o depoimento é realizado em sala diversa apropriada, sendo o depoimento gravado em áudio e vídeo, preservado o sigilo.
Ao final da escuta especial, o Juiz, consultará o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, e após avaliará a pertinência de perguntas complementares.
5. CONCLUSÃO
Portanto, na busca por um método que garantisse aos menores a efetiva proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando no âmbito processual criminal, e para fazer-se cessar que as crianças e adolescente suportassem um processo de revitimização ao serem inquiridos, surge a técnica do depoimento sem dano, regulamentada somente no ano de 2017 pela Lei nº 13.431/17.
O aludido depoimento é visto como uma forma de contribuir com as investigações e, ainda, resguardar os direitos da vítima. Vale mencionar ainda que, o papel do método do depoimento sem dano no contexto atual, onde se vê cada vez mais o aumento significativo no número de casos de delitos sexuais, é sem dúvidas essencial.
Ademais, nitidamente é possível enxergar que a escuta especializa surgiu para complementar as deficiências que existem na garantia dos direitos humanos, na segurança pública, bem como na assistência social, vez que os menores ao serem vítimas de violência sexual tinham que passar por diversas vezes pelo processo de revitimização ao ter que depor sobre o acontecido.
Sabe-se que o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e demais leis esparsas, nem sempre se materializam em sua totalidade na rotina das delegacias de polícia em registros de ocorrência e no judiciário, assim, chega-se ao entendimento de que os órgãos públicos envolvidos devem atuar em conjunto para que a Lei seja de fato aplicada, vez que há a necessidade da proteção integral e efetiva das crianças e dos adolescentes vítimas de violência sexual, dentro outros.
Conclui-se assim, que o depoimento especial é de fato eficaz na busca pela proteção à integridade psicológica de crianças e adolescentes, para garantir que as crianças e os adolescentes sejam ouvidos considerando suas condições de sujeitos em desenvolvimento, garantindo ainda aos vulneráveis o acesso à justiça sem violação de outros direitos fundamentais. Contudo, não é capaz de dirimir todo o sofrimento já ocasionado, mas é capaz de concluir o processo obtendo informações necessárias para a elucidação do crime sem que o vulnerável seja exposto a novos traumas.
6. REFERÊNCIAS
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AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Inquirição da criança vítima de violência sexual: proteção ou violação de direitos? -. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa, de 05 de outubro de 1988. BRASIL República Federativa do Brasil. Lei 8.069 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.
ESCUTA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL: Aspectos Teóricos e Metodológicos Guia Para Capacitação em Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes / Organizadores: Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves, Gorete Vasconcelos ; (coords.), Paola Barbieri, Vanessa Nascimento. Brasília- DF: Editora da Universidade Católica de Brasília – Educb, 2014.
ILULIANELLO, Annunziata Alves. Depoimento Especial: um instrumento de concretização da proteção integral de criança e adolescentes submetidos a abuso sexual. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.
NOGUEIRA, Raphaela Silva. A Psicologia e os Crimes Sexuais: O Papel da Psicologia Em Relação aos Crimes Sexuais. 2021. 26 f. TCC (Graduação) – Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2021. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/3992/1/A%20psicologia%20e%20os%20crimes%20sexuais%20-%20o%20papel%20da%20psicologia%20em%20rela%c3%a7%c3%a3o%20aos%20crimes%20sexuais.pdf. Acesso em: 06 ago. 2023.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual / Guilherme de Souza Nucci. – 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da criança e do adolescente comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
POTTER, Luciane. Vitimização Secundaria e Violência Sexual Intrafamiliar: Por uma Política Pública de redução de Danos. – 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.
Feito pela Adrielle Rodrigues Coutinho
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